Que o mercado de trabalho está cada vez mais dinâmico competitivo e desafiador, todos nós já sentimos na pele. Uma prova disso é que em qualquer profissão as exigências estão cada vez mais acentuadas, demandando novas competências, cobrando da gente o domínio de algo que nem sequer havíamos imaginado ou sido alertados com alguma antecedência.
O que estamos percebendo é que, apesar da espinha dorsal do conhecimento que fundamenta e orienta grande parte da nossa formação, o mundo real do trabalho nos coloca a toda hora diante do desconhecido. Em qualquer área de atuação, o profissional sempre se depara com a necessidade de novos domínios. Mais grave ainda, o pragmatismo do trabalho marcado pela competição é todo revestido de sentido de urgência, os problemas precisam ser resolvidos, estamos sempre submetidos ao poder de escolha dos clientes, cada vez mais exigentes. Em bom português, no ambiente de trabalho existe balanço de conseqüências, razão pela qual não podemos ficar indiferentes a estas novas demandas por conhecimento.
Em boa medida, estes fatos ajudam a explicar o espantoso sucesso do site de buscas GOOGLE, e se alinha perfeitamente com a visão de Peter Drucker, quando se referia aos profissionais do futuro como trabalhadores do conhecimento, aqueles que são capazes de garimpar e pesquisar o que for necessário para o bom desempenho das suas funções no ambiente de trabalho.
Mesmo que você seja um farmacêutico formado ou ainda cursando a faculdade, acredite que é justamente sobre pessoas como você que o pai da administração moderna (Peter Drucker) estava tratando quando se referia aos trabalhadores do conhecimento.
Tanto é verdade que neste momento você, um profissional da saúde, mais especificamente do ramo farmacêutico está agora diante de um texto que trata de gestão. E eu também arrisco um palpite de que o seu interesse por este assunto tem alguma relação com necessidades que já estão sendo percebidas ou que por intuição você considera importante.
Percebeu como você tem uma forte relação com o perfil do trabalhador do conhecimento?
Quem esteve presente no Anhembi entre 18 a 21 de setembro de 2010, pode presenciar o quanto o conhecimento está na base de toda a atuação do farmacêutico, imprescindível para estes tempos em que se fala de sustentabilidade, novos desafios tanto para a saúde quanto para a própria profissão de farmacêutico. Neste período aconteceu o XVI Congresso Paulista de Farmacêuticos, simultaneamente com o VIII Seminário Internacional de Farmacêuticos e o 2º Congresso da Farmácia Brasileira. Durante as solenidades de abertura o Presidente do Conselho Federal de Farmácias, Dr. Jaldo de Souza Santos usou um termo que reflete muito bem o que está acontecendo no segmento farmacêutico no que se refere ao processo de capacitação dos profissionais: ‘o conhecimento está ‘fervilhando’ na base da nossa profissão’. Nesta oportunidade Dr. Jaldo defendeu um atendimento mais humano nas nossas farmácias, destacando a importância da atenção farmacêutica, algo muito mais significativo para a população do que a simples troca de medicamentos por dinheiro, como fazem muitos estabelecimentos.
Sábias palavras aquelas do Dr. Jaldo, principalmente se considerarmos o fato de que cerca de 70% dos profissionais que se formam no curso de Farmácia terminam por exercer a profissão em estabelecimentos de farmácias e drogarias. Do alto da sua experiência, Dr. Jaldo chegou a mencionar que os cuidados com a administração do tratamento são tão importantes quanto o próprio medicamento em si. Acompanhando a tendência mundial de que os clientes esperam muito mais do que produtos, a farmácia é um daqueles estabelecimentos em que a prestação de serviços com orientação, explicação sobre o tratamento, deveria ser sim um imperativo. Esta e uma necessidade inquestionável. Ao mesmo tempo em que estamos plenamente de acordo, precisamos reforçar e examinar com atenção quais são os desdobramentos para uma empresa, quando o papel dos serviços vai ganhando cada vez mais relevância.
Como a característica predominante da categoria de serviços é que eles em geral são feitos por gente, mais do que nunca, no caso das farmácias necessitamos de gente qualificada, preparada para atender clientes com características especiais cujo estado emocional não é o mesmo de quem vai comprar um parafuso, um sanduiche ou qualquer outro produto. No caso da farmácia, entregar o produto simplesmente é muito pouco, se ele não vier acompanhado das devidas recomendações, orientações sobre o tratamento.
Já que todo o processo de atendimento é feito por gente, e necessitamos fazê-lo com conhecimento, carinho, respeito, nos deparamos com uma demanda sobre a qual o farmacêutico precisa ficar muito atento e ter mais domínio: gestão de pessoas. Na minha convivência com o canal Farma desde 1994, sempre destaquei a importância do tema da gestão de pessoas, sobretudo quando se trata do ambiente de farmácias. É verdade também o fato de que por muitas vezes fui questionado: ‘espere aí Gilson, mas no caso de uma farmácia, existe a figura do gerente da loja e cabe a ele coordenar os trabalhos dos funcionários, concorda?’
Concordo em parte! Quando se trata das orientações técnicas sobre o tratamento, os funcionários necessitam do conhecimento e da supervisão do farmacêutico e para que este possa navegar com desenvoltura, necessitará de habilidades para lidar com pessoas. Mais do que isso, precisará também assumir o papel do instrutor, do orientador capaz de desenvolver as competências necessárias para quem pretende fazer um atendimento diferenciado, indo muito além da simples troca de medicamentos por dinheiro. Lembremos que o farmacêutico é o líder natural da farmácia, capaz de influenciar e qualificar o momento da dispensação. A dispensação com qualidade está raiz da profissão do farmacêutico. Trata-se de um momento cujo ato precisa ser revestido de mais significado, de inspiração, e o farmacêutico é o único agente no interior da farmácia cuja liderança pode sim contribuir para que no mínimo ele se torne mais humano.
Você leitor, percebeu como a gestão de pessoas é importante no exercício da profissão de farmacêutico? Pois eu afirmo que este é só o começo. Como todos nós já sabemos o farmacêutico não tem condições de exercer a sua profissão em uma esquina qualquer atuando de uma forma improvisada. Em função de todo um aparato regulatório que se faz necessário, o exercício da profissão precisa ser feito em estabelecimento legalmente constituído, operar segundo regras estabelecidas e que também necessita operar com lucro. Na prática, a gestão de pessoas e a rentabilidade estão inseridas no contexto mais amplo da gestão do Negócio.
Eu imagino que você deva estar pensando o seguinte: espere aí Gilson, eu creio que agora você foi pode ter ido longe demais. Você está insinuando que eu deva também me ocupar deste tema da gestão do negócio? Quanto a isso eu não tenho a menor dúvida. Eu tenho convicção de que este é um dos grandes gargalos que asfixiam o bom desempenho das nossas farmácias. Na minha experiência em ministrar cursos por todo o Brasil, eu percebo que estamos nos adequando as novas exigências da ANVISA bem como de todas as determinações do CFF, dos Conselhos Regionais. A parte técnica vem evoluindo há seu tempo! Ela passou por algum disciplinamento, as farmácias estão se adequando sem maiores dificuldades. O grande gargalo está na gestão.
Na qualidade de farmacêutico, você conseguirá êxito na sua profissão se possuir ou trabalhar em uma farmácia que seja economicamente viável, socialmente necessária e de preferência reconhecida pelos clientes como um estabelecimento que agrega valor no ambiente onde atua. O tema da sustentabilidade precisa ser destacado e vamos combinar que não existe sustentabilidade sem rentabilidade. Este assunto já foi abordado aqui mesmo na nossa revista, na Edição de Novembro (Rentabilidade na Farmácia – o X da questão).
Uma pergunta que cabe neste momento é a seguinte: por que estender o desafio da gestão também para o farmacêutico? Esta não seria uma carga mais específica dos gerentes das farmácias?
Existem inúmeras razões para que criemos expectativas mais elevadas para a atuação dos nossos farmacêuticos e aí fica muito claro o desafio da gestão. Vamos examinar o universo das farmácias no Brasil, segundo dados do CFF (dezembro de 2009):
Grupo1. Das 79.010 farmácias e drogarias existentes no Brasil, 19.755 são de propriedade de farmacêuticos. Nestas farmácias, a presença do profissional vai muito além de corresponder as exigências legais. São lojas que precisam dar resultado, o sentido de urgência se manifesta todos os dias, o desafio de enfrentar concorrentes, satisfazer clientes exigentes. Converse com um destes proprietários e você verá o quanto o tema da gestão é importante. Se ele não reconhecer a importância da gestão, fatalmente a sua farmácia já se encontra em grupo de risco, ele pode ser proprietário de uma loja que não está preparada para uma situação de extrema competição. Aquele que reconhece a importância da gestão e se mobiliza neste sentido, amplia em muito as possibilidades de destaque, conseguindo mais resultados, terminando por ser mais satisfeito com a profissão que escolheu.
Grupo2. Um total de 45.481 farmácias é de propriedade de não farmacêuticos. Neste universo a gente percebe de tudo um pouco:
2.1-gerente da loja e farmacêutico não cooperam entre si, fica evidente a duplicidade de comando e verifica-se uma dissipação inútil de energia que poderia ser direcionada para os clientes, na forma de mais valor agregado. Neste conflito interno, se o gerente ganha a batalha, o farmacêutico fica restrito somente as questões legais, atendo-se aos registros, uma burocracia necessária, mas que não produz efeitos junto aos clientes, ficando cada vez mais distante a expectativa de um atendimento diferenciado, com orientação aos clientes.
2.2-por uma questão de economia, o farmacêutico pode até se tornar o gerente, mas só de direito, não de fato, por falta de conhecimento de temas relacionados a gestão. Nestas circunstâncias, os benefícios de um atendimento diferenciado, percebidos pelos clientes também são muito escassos e a loja pode correr sérios riscos pelo fato de não estar sendo bem administrada.
2.2-por uma questão de economia e funcionalidade, o farmacêutico gerente, mais capacitado, elimina a tão desastrosa duplicidade de comando, possui uma visão sistêmica da loja e considera a mesma como uma Unidade de Negócio. Isso significa que trata a farmácia como uma empresa, com faturamento, custo de mercadorias, despesas, podendo alcançar ou não o Resultado Líquido, dependendo de como lidera e motiva os seus funcionários, passando pelo gerenciamento de todos os recursos.
Vamos registrar que este último grupo é o que mais privilegia a gestão, ao mesmo tempo em que é o mais preparado para a competição, principalmente no que se refere a resistência ao processo de proliferação das grandes redes. No que este grupo se diferencia? Mais conhecimento, mais domínio de algumas ferramentas práticas de gestão.
Sem um farmacêutico forte e atuante no ambiente da farmácia o sonho da atenção farmacêutica não se viabiliza na prática, apesar de muita gente acreditar que isso seja possível pela via da legislação. Não me parece ser este o caminho.
Ma o que move um farmacêutico a se interessar por mais conhecimento que se relacione com a gestão da farmácia? Vejamos alguns fatos motivadores:
-Na competição acirrada do mercado, não é só a farmácia que está em jogo, mas a própria carreira, e por que não dizer a vida do farmacêutico, o bem estar dos seus familiares.
-mais domínio não só da parte técnica, mas da loja como um todo, mais segurança na condução do negócio.
-mais autoridade para liderar e implantar um modelo de atendimento diferenciado e mais humano.
-lojas mais bem administradas e mais preparadas para a extrema competição.
-mais bases para o empreendedorismo, encorajamento até para criar o próprio negócio.
Em resumo, teremos uma classe ainda mais forte, mais respeitada, mais reconhecida e recompensada pelo trabalho que exerce na sociedade. O impacto nas entidades representativas é imediato e proporcional.
Por hora, concentremos os nossos esforços em levar adiante a bandeira e os benefícios da boa gestão, para o bem da população e para o engrandecimento desta profissão que é tão necessária para todos nós.